Lembram-se de quando comentei na live que, quando vamos ficando mais experientes no hábito da leitura, nossos olhos se tornam mais perceptíveis e ágeis para captar as sutilezas do texto? Pois bem! Para conseguirmos tal feito e mergulharmos nas palavras do autor, faz-se necessário não apenas espantarmos, de uma vez por todas, aquela ideia ridícula de que devemos ser leitores velozes, daqueles que engolem os livros; é preciso também tomarmos cuidado com o outro extremo, e não transformar nossos momentos de leitura, que devem ser prazerosos, num tal marasmo que nos deixa avoados para o que está acontecendo e cegos para as sutilezas da obra. Devemos ler de forma despreocupada, calma e atenta!
Para demonstrar isso ainda mais, darei outros exemplos em relação ao conto “História Comum”, de Machado de Assis, o qual trabalhamos na live. Além da contradição que há quando o autor se refere à escrava nas frases “uma mucama triste” e seu próprio nome “Felicidade”, temos também um paradoxo presente no que se refere à história em si e seu título: “História Comum”. Agora, caro leitor, como pode ser comum uma história contada por um alfinete?!
Machado também nos traz outra singularidade interessante: a história termina da mesma forma como começa – e aqui, não digo em relação somente à cena, como em tantos livros que se iniciam e se findam em cenas semelhantes, não! Até mesmo a frase é a mesma! E reparem em um detalhe de grande importância: o texto inicia e termina com três pontos! Se quiséssemos, poderíamos terminá-lo e recomeçá-lo como em um ciclo infinito, como se não existisse um fim, embora saibamos que ele está presente, e o pobre alfinete, após sua grande aventura, volta ao seu “status quo” de um mero alfinete e, aí sim!, não sabemos qual o seu fim – além de ter caído na aba de um chapéu de um transeunte. Teria ele mais aventuras para viver e para contar? Só Deus e o próprio Machado sabem a resposta.
Por fim, tudo isso percebemos conforme vamos desbravando o mundo da literatura e não apenas lendo, como um desses sujeitos fanáticos que só pensam em terminar a obra e, antes mesmo de tal ato, já estão pensando na outra. Leitores de verdade leem calma, despreocupada e atentamente! Prontos para se tornarem um só com o texto e se deixarem marcar pela história contada. No início, você muito provavelmente não perceberá, mas quando menos esperar, vai se deparar com as marcas que a literatura é capaz de deixar em nossos corações e provará do fantástico sabor com que essas sutilezas presenteiam nossas almas leitoras.